O CRISTÃO E A POLÍTICA

Postado em 25 de outubro de 2018 por

Categorias: Estudos

 

Pr Luciano R. Peterlevitz, EBD da IBBV, 02.09.2018

 

Introdução

A questão principal do presente estudo é a seguinte: como deve ser o envolvimento dos cristãos com a política?

Política, nos dias de hoje, é sinônimo de ladroagem. “O poder corrompe”, é a máxima promulgada por muitos. Na verdade, o poder corrompe os corrompidos. Não é o poder que corrompe o homem, mas é o homem corrompido que corrompe o poder.

Retomemos o sentido da palavra “política”: traduz o grego politiká, procedente do termopolis, “cidade”, em referência ao espaço público. A política é a arte de governar os espaços públicos, visando o bem dos cidadãos.

O Estado é “serva de Deus para o teu bem” (Rm 13.5). O político deve buscar os interesses do povo, não os seus próprios.

Os governadores, juízes e demais oficiais públicos não podem utilizar os recursos públicos para o enriquecimento pessoal (“Juízes e oficiais constituirás em todas as tuas cidades que o SENHOR, teu Deus, te der entre as tuas tribos, para que julguem o povo com reto juízo. Não torcerás a justiça, não farás acepção de pessoas, nem tomarás suborno; porquanto o suborno cega os olhos dos sábios e subverte a causa dos justos.”Dt 16.19; cf. Is 33.15; Ez 22.12; Am 5.12; Mq 3.1-4).

 

A fonte de toda autoridade

O Senhor Deus é a fonte de toda autoridade. Em Romanos 13.1, o apóstolo Paulo deixa muito claro: “não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas”.

O profeta Daniel declara: “é ele[Senhor] quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; ele dá sabedoria aos sábios e entendimento aos inteligentes.” (Dn 2.21). Daniel firma ainda que “o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o dá a quem quer” (Dn 4.25).

Jesus declarou para Pilatos: “Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem.” (Jo 19.11).

 

Por que Deus instituiu os governos?

Para evitar que o caos se instale na sociedade

O período do juízes foi caracterizado pelo caos. Havia fome na terra (Rt 1.1). Conforme lemos em Juízes 18 – 21, a imoralidade era desenfreada, e as tribos digladiavam-se entre si. Isso tudo porque “naqueles dias, não havia rei em Israel; cada qual fazia o que achava mais reto” (Jz 17.6; cf. .1; 19.1; 21.25).

Conforme lemos em 1Samuel 8 – 11, a monarquia foi instalada em Israel para permitir a união das tribos e a defesa contra os inimigos. Mesmo que o pedido do povo (ter um rei como as demais nações) tenha desagrado ao Senhor, contudo, o Senhor almejava usar o reinado de Saul para livrar Israel das mãos dos filisteus (1Sm 9.16).

Como seria a sociedade, por exemplo, se não houvesse policiamento? O caos se instalaria, certamente.

 

Para promover a justiça social

Os governos precisam defender a justiça social e a causa dos oprimidos.

O Salmo 82 se refere aos juízes encarregados de defender a justiça. Nos versos 2-4, eles são confrontados e recebem a ordem de defender os fracos e órfãos: “2 Até quando julgareis injustamente e tomareis partido pela causa dos ímpios? 3 Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado. 4 Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.”.

 

Para trazer castigo aos malfeitores

“Visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.” (Rm 13.4).

“Quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem.” (1Pe 2.14).

 

A Igreja e o Estado

Quando perguntaram para Jesus se era lícito pagar tributos a César, ele respondeu: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22.21). Aqui Jesus distingue dois poderes distintos, aos quais os cristãos precisam se submeter: o reino de César e o Reino de Deus.

O Estado não pode intervir na igreja. O governo não institui os pastores e os líderes das igrejas. A administração da Igreja é tarefa da própria igreja. É a igreja que escolhe seus líderes (At 6.3), e ela que toma as decisões referentes àquilo que deve ser exigido de seus membros (At 15).

A igreja não pode intervir no Estado. Ou seja, a igreja não pode executar ações que cabem ao Estado. Como veremos, o povo de Deus deve influenciar positivamente o Estado, mas as ações executivas, legislativas e judiciárias são executadas pelo governo, e não pela igreja. Por exemplo, a igreja não pode punir um ladrão ou um homicida. Isso é tarefa do Estado. O próprio Jesus não se envolveu com questões legais: “Nesse ponto, um homem que estava no meio da multidão lhe falou: Mestre, ordena a meu irmão que reparta comigo a herança. Mas Jesus lhe respondeu: Homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre vós?” (Lc 12.13-14). Jesus diz: “eu não sou juiz; a tarefa de julgar um caso legal não compete a mim, isso é tarefa dos governos”.

 

A influência do povo de Deus na política ao longo da história

A Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, no item Ordem Social, diz expressamente: “Como sal da terra e luz do mundo, o cristão tem o dever de participar em todo o esforço que tende ao bem comum da sociedade em que vive”.

Podemos destacar vários personagens e grupos de cristãos que se envolveram com a administração pública, e contribuíram para o bem da sociedade:

 

José

José, governador do Egito, exerceu influência nas decisões do faraó (Gn 41.37-45; 42.6; 45.8,9,26).

 

Samuel

Samuel foi o último juiz história de Israel. Ungiu os dois primeiros reis de Israel (Saul e Davi). Através dele, o Senhor livrou Israel das mãos dos filisteus (1Sm 7). Sua vida é um modelo para os políticos: “Aqui estou. Se tomei um boi ou um jumento de alguém, ou se explorei ou oprimi a alguém, ou se das mãos de alguém aceitei suborno, fechando os olhos para sua culpa, testemunhem contra mim na presença do Senhor e do seu ungido. Se alguma dessas coisas pratiquei, eu farei restituição”. 4 E responderam: “Você não nos explorou nem nos oprimiu. Você não tirou coisa alguma das mãos de ninguém”. 5 Samuel lhes disse: “O Senhor é testemunha diante de vocês, e bem como o seu ungido é hoje testemunha de que vocês não encontraram culpa alguma em minhas mãos”. E disseram: “Ele é testemunha”.” (1Sm 12.3-5 – NVI).

 

Davi

O rei Davi foi um homem de coração íntegro. “E de coração íntegro Davi os pastoreou, com mãos experientes os conduziu.” (Sl 78.72).

 

Isaías

O profeta Isaías exerceu grande influência no palácio de Jerusalém. Aconselhou o rei Acaz a não se preocupar com o levante da Síria e Israel, e exortou-o a não buscar aliança política com a Assíria (Is 7 – 8). O profeta também condenou as alianças políticas que Ezequias fez com o Egito (Is 31).

Josias

O profeta Jeremias se dirige a Jeoaquim, filho de Josias, e tece a seguinte declaração: “Acaso, teu pai não comeu, e bebeu, e não exercitou o juízo e a justiça? Por isso, tudo lhe sucedeu bem. 16 Julgou a causa do aflito e do necessitado; por isso, tudo lhe ia bem. Porventura, não é isso conhecer-me? —diz o SENHOR.” ( Jr 22.15-16).

Como se nota, o rei Josias recebe um elogio de Jeremias, porque defendeu a “causa do aflito e do necessitado”.

 

Jeremias

O profeta Jeremias encaminhou várias mensagens aos reis de Judá. Por exemplo, aconselhou Zedequias a não fazer alianças com os egípcios e a se render aos babilônicos (Jr 37).

O profeta também exortou o povo que estava cativo na Babilônia: “Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela.” (Jr 29.7 – NVI). Esse é um conselho válido para nós, hoje. Os cristãos precisam trabalhar para o bem da sociedade.

 

Neemias

Neemias era copeiro do rei persa Artaxerxes (Ne 1.11). Foi governador de Judá. Liderou a reconstrução dos muros de Jerusalém, quando os judeus voltavam do exílio babilônico. Ele condenou a administração dos nobres e magistrados, que permitia o empobrecimento e escravidão dos judeus (Ne 5.1-12). Neemias chegou a abrir mão dos direitos de governador, “porquanto a servidão desse povo era grande” (Ne 5.18; veja Ne 5.13-19).

 

Daniel

Daniel foi um estadista. Era governador da província da Babilônia (Dn 2.48). Trabalhou na corte babilônica e serviu a vários reis. Aconselhou o rei Nabucodonozor: “Portanto, ó rei, aceita o meu conselho e põe termo, pela justiça, em teus pecados e em tuas iniquidades, usando de misericórdia para com os pobres; e talvez se prolongue a tua tranquilidade.” (Dn 4.27).

 

Ester

Ester foi uma judia que se tornou rainha na Pérsia. Influenciou várias decisões do rei Xerxes (Et 5.1-8; 7.106; 8.3-13; 9.12-15,29-32). Através dela, o Senhor livrou os judeus das mãos daqueles que intencionam exterminá-los.

 

João Batista

“Mas Herodes, o tetrarca, sendo repreendido por ele, por causa de Herodias, mulher de seu irmão, e por todas as maldades que o mesmo Herodes havia feito, acrescentou ainda sobre todas a de lançar João no cárcere. (Lc 3.19,20).

O Batista repreendeu o rei Herodes, não somente porque ele tomou a mulher do seu irmão, mas também “por todas as maldades” que praticara.

 

Paulo

“Passados alguns dias, vindo Félix com Drusila, sua mulher, que era judia, mandou chamar Paulo e passou a ouvi-lo a respeito da fé em Cristo Jesus. Dissertando ele acerca da justiça, do domínio próprio e do Juízo vindouro, ficou Félix amedrontado e disse: Por agora, podes retirar-te, e, quando eu tiver vagar, chamar-te-ei” (Atos 24.24,25).

O texto diz que Paulo dissertou “acerca da justiça, do domínio próprio e do Juízo vindouro”. Conforme sugere Grudem, apóstolodiscursou “acerca de padrões morais de certo e errado e de como Félix, governador do Império Romano, tinha obrigação de viver conforme os padrões estabelecidos por Deus”.[1]

 

A influência dos cristãos sobre o império romano[2]

Os cristãos influenciaram o Império Romano na imposição de leis que proibiam o infanticídio, o abandono de crianças, o aborto. Os cristãos também denunciaram as lutas sangrentas e mortais dos gladiadores. Além disto, influenciaram as tomadas de decisões referentes às reformas das prisões, com a separação de prisioneiros do sexo masculino e feminino.

 

A influência cristã na abolição da escravidão

No século 19, William Wilberforce, cristão devoto, liderou o estabelecimento da lei que aboliu a escravidão na Inglaterra.

Nos E.U.A., muitos cristãos do Sul defenderam a escravidão. Entretanto, a maioria defendeu a abolição da escravidão. Pesquisas mostram que dois terços dos abolicionistas em meados da década de 1830 eram pastores.[3]

 

Martin Luther King Jr.

O reverendo Martin Luther King defendeu a igualdade entre negros e brancos. As leis contra a segregação racial foram estabelecidas graças à luta de King e seu grupo.

 

Por que o cristão deve se envolver com política?

Não somos avestruzes, que enviam a cabeça na terra e ignoram os problemas ao redor.

Os cristãos podem e devem se envolver com política. Por que?

 

O cristão deve se envolver com a política porque ele é um cidadão

Somos cidadãos de dois reinos: do Reino do céu e do reino deste mundo.

1Pe 2.11-17:

11 Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma, 12 mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação. 13 Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, 14 quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem. 15 Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos; 16 como livres que sois, não usando, todavia, a liberdade por pretexto da malícia, mas vivendo como servos de Deus. 17 Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei.

Como diz Pedro, somos “peregrinos e forasteiros” (v.11). Não pertencemos a essa terra. Nossa pátria está nos céus. Por outro lado, precisamos nos sujeitar “a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano” (v.13). Consagramos ofertas e dízimos para o Senhor, mas também pagamos tributos ao Estado (Mt 22.21).

 

O cristão deve se envolver com a política como meio de promover o bem para a sociedade

Certamente a política é um instrumento poderosíssimo para a propagação do bem.

1Pe 2.15: “Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos”.

Deixar de fazer o bem é tão pecaminoso e nocivo como fazer o mal. “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando” (Tg 4.17).

Precisamos lutar pela justiça. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (Mt 5.6).

O político não pode favorecer certo grupo social ou religioso. Todas as ações políticas precisam estar voltadas para o bem de toda sociedade.

Não escolho alguém só porque essas pessoa é “evangélica”. Vejo com receio políticos que usam o termo “pastor” em suas campanhas. Escolho alguém porque essa pessoa defende o bem da sociedade, e é claro, porque entendo que essa pessoa pode me representar.

Concordo plenamente com Alonso Gonçalves, sobre candidatos batistas:

O que se espera de candidatos, batistas, naturalmente, é que façam valer o voto não para defender interesses corporativos, muito menos com um discurso de que “tem que ter gente nossa lá”. Temos que ter candidatos com diferencial, não nos moldes dos pentecostais ou neopentecostais, que movem céus e terras para eleger gente que irá defender os interesses da igreja X ou Y. O candidato batista precisa ter em mente que o seu mandato irá contribuir para o avanço dos valores do Reino de Deus na sociedade e que a sua governabilidade é para todos, e nunca, em hipótese alguma, para batistas, mas para uma sociedade que está cansada de mentiras e promessas fraudulentas. Somente assim é possível justificar apoio, do contrário será mais um tentando usar da política como trampolim para o poder, para o foro privilegiado, para os benefícios enormes que a classe política desse país usufrui.[4]

 

O cristão deve se envolver com política, porque se ele se omitir, representantes corruptos poderão ocupar o poder

Vejamos a fábula de Jotão, em Jz 9.7-20:

7 Avisado disto, Jotão foi, e se pôs no cimo do monte Gerizim, e em alta voz clamou, e disse-lhes: Ouvi-me, cidadãos de Siquém, e Deus vos ouvirá a vós outros. 8 Foram, certa vez, as árvores ungir para si um rei e disseram à oliveira: Reina sobre nós. 9 Porém a oliveira lhes respondeu: Deixaria eu o meu óleo, que Deus e os homens em mim prezam, e iria pairar sobre as árvores? 10 Então, disseram as árvores à figueira: Vem tu e reina sobre nós. 11 Porém a figueira lhes respondeu: Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto e iria pairar sobre as árvores? 12 Então, disseram as árvores à videira: Vem tu e reina sobre nós. 13 Porém a videira lhes respondeu: Deixaria eu o meu vinho, que agrada a Deus e aos homens, e iria pairar sobre as árvores? 14 Então, todas as árvores disseram ao espinheiro: Vem tu e reina sobre nós. 15 Respondeu o espinheiro às árvores: Se, deveras, me ungis rei sobre vós, vinde e refugiai-vos debaixo de minha sombra; mas, se não, saia do espinheiro fogo que consuma os cedros do Líbano. 16 Agora, pois, se, deveras e sinceramente, procedestes, proclamando rei Abimeleque, e se bem vos portastes para com Jerubaal e para com a sua casa, e se com ele agistes segundo o merecimento dos seus feitos 17 ( porque meu pai pelejou por vós e, arriscando a vida, vos livrou das mãos dos midianitas; 18 porém vós, hoje, vos levantastes contra a casa de meu pai e matastes seus filhos, setenta homens, sobre uma pedra; e a Abimeleque, filho de sua serva, fizestes reinar sobre os cidadãos de Siquém, porque é vosso irmão ), 19 se, deveras e sinceramente, procedestes, hoje, com Jerubaal e com a sua casa, alegrai-vos com Abimeleque, e também ele se alegre convosco. 20 Mas, se não, saia fogo de Abimeleque e consuma os cidadãos de Siquém e Bete-Milo; e saia fogo dos cidadãos de Siquém e de Bete-Milo, que consuma a Abimeleque.

 

O nosso país tem se abrigado sob a sombra de espinheiros.

“Quando os justos florescem, o povo se alegra; quando os ímpios governam, o povo geme.” (Pv 29.2).

O cristão deve orar pelos políticos, para que eles conheçam o Senhor e Salvador Jesus Cristo, e para que eles exerçam o governo com justiça, para tenhamos uma vida tranquila:

1 Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens; 2 pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. 3 Isso é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador, 4 que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. (1Tm 2.1-4).

 

O cristão pode se envolver com protestos?

Já ouvi pastores dizendo que o cristão não pode se envolver com protestos políticos. Normalmente citam Provérbios 24.21: “Teme ao SENHOR, filho meu, e ao rei e não te associes com os revoltosos.”

Conforme já observamos, a Bíblia ensina a submissão aos poderes governamentais. Pedro ordenou:“honrai ao rei” (1Pe 2.17). O próprio Jesus orienta: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22.21).

Entretanto, obedecemos primeiramente a Deus. Em 1Pe 2.17, a expressão “temei a Deus” vem antes da expressão “honrai o rei”. Precisamos nos sujeitar “a toda autoridade por causa do Senhor” (1Pe 2;13). A motivação é o Senhor: “por causa do Senhor”. Mas, se a autoridade humana se levanta contra o Senhor, então não seremos mais obedientes a ela. Pois precisamos “viver como servos de Deus” (1Pe 2.16).

Como disse Pedro: “É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!” (At 5.29 –  NVI).

Precisamos nos sujeitar aos governos humanos. Mas, se esses governos são corruptos, não temos mais obrigação de nos sujeitar a eles. Nesse sentido, os protestos podem contribuir para que governos injustos sejam destronados.

Portanto, voltemos à pergunta: Crente pode participar de protesto? Se for pacífico, e se tiver como meta principal a defesa da justiça, sim.

Lembremos mais uma vez de Jotão: protestou contra os crimes do seu irmão Abimeleque (Jz 9).

Os profetas bíblicos protestaram contra as injustiças promovidas pelos governantes:

  • “Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de opressão, 2 para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e roubarem os órfãos!” (Is 10.1-2).
  • “Ai daquele que edifica a sua casa com injustiça e os seus aposentos, sem direito! Que se vale do serviço do seu próximo, sem paga, e não lhe dá o salário; 14 que diz: Edificarei para mim casa espaçosa e largos aposentos, e lhe abre janelas, e forra-a de cedros, e a pinta de vermelhão.” (Jr 22.13-14).
  • “Mas os altos de Isaque serão assolados, e destruídos, os santuários de Israel; e levantar-me-ei com a espada contra a casa de Jeroboão.” (Am 7.9).
  • “Ai daquele que edifica a cidade com sangue e a fundamenta com iniquidade!” (Hc 2.12).

O Estado é a espada de Deus para punir os transgressores (Rm 13). Mas, e quando o Estado deixa de ser espada para punir o mal? E quando o Estado transforma-se em uma espada que feri a justiça e os direitos dos cidadãos? Seremos submisso a esse tipo de governo?

Em Romanos 13.1, lemos que os governantes são “autoridades superiores”. Calvino, comentando essa passagem, explica: são autoridades superiores, mas não são supremas.[5] Franklin Ferreira esclarece: “já que Deus estabelece toda autoridade, essa autoridade tem um poder derivado, e, por isso, limitado”.[6]Em seu livro Contra a idolatria do Estado: o papel do cristão na política, Ferreira afirma acertadamente que o cristão precisa respeitar o Estado, mas não idolatrá-lo.

No v.4, Paulo explica que as autoridades são “ministro de Deus”. O termo “ministro” traduz o grego diakonos, “servo”. No v.6, são chamadas de leitourgos, “ministro”, um serviço público que visa o bem da sociedade. Quando o Estado deixa ser servo, e almeja ser dono, então ele perde sua legitimidade. Quando um político deixa de promover a justiça, e a alia-se a corrupções, e quando o direito do povo não é mais considerado a prioridade dele, então é necessário que ele seja confrontado, e poderá até mesmo ser retirado do poder na forma de impeachment.[7]

 

Conclusão

O cristão pode se envolver com política? A resposta, respaldada nas Escrituras, é: “ele deve se envolver”. Esse envolvimento pode ocorrer de várias formas: pelo voto consciente; pelo exercício de cargos públicos; pela oração às autoridades políticas; por protestos pacíficos; ou ainda pelo acompanhamento a políticos, concedendo-lhes conselhos fundamentados na Escrituras, para que eles pautem seus programas de governos na ética e justiça ensinadas na Bíblia.

Os cristãos precisam entender que a “transformação da conjuntura social por meio da cosmovisão cristã é uma forma de estabelecer o Reino”[8].

[1]Wayne Grudem, Política segundo a Bíblia: princípios que todo cristão deve conhecer (São Paulo: Vida Nova, 2014), p. 85.

[2] Wayne Grudem, Política segundo a Bíblia, p. 67.

[3]Wayne Grudem, Política segundo a Bíblia, p. 68.

 

[4] Alonso Gonçalves. “Batistas na política”. Disponível em: http://www.batistas.com/portal-antigo/index.php?option=com_content&view=article&id=327&Itemid=68. Acessado em 30.08.2018.

[5] João Calvino, Romanos, p. 516.

[6] Franklin Ferreira, Contra a idolatria do Estado: o papel do cristão na política (São Paulo: Vida Nova, 2016), p. 75.

[7]Franklin Ferreira, Contra a idolatria do Estado, p. 75.

[8]Franklin Ferreira, Contra a idolatria do Estado, p. 246.