Tiago 3.13-18: DOIS TIPOS DE SABEDORIA

Postado em 22 de novembro de 2018 por

Categorias: Pregações

Pr Luciano R. Peterlevitz – Igreja Batista Bela Vista, 15.11.2018.

 

Tiago 3.13-18:

13Quem entre vós é sábio e tem conhecimento? Mostre suas obras pelo seu bom procedimento, em humildade de sabedoria.

14Mas não vos orgulheis, nem mintais contra a verdade, se tendes inveja amarga e sentimento ambicioso no coração.

15Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e demoníaca.

16Pois onde há inveja e sentimento ambicioso, aí há confusão e todo tipo de práticas nocivas.

17Mas a sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sem hipocrisia.

18O fruto da justiça semeia-se em paz para aqueles que promovem a paz.

 

Introdução

Tiago volta a falar sobre a sabedoria, aqui em Tg 3.13-18. Ele traça as diferenças entre a sabedoria terrena e a sabedoria celeste, entre a sabedoria que não vem do alto (v.15) e a sabedoria que vem do alto (v.17).

Lembremos: sabedoria é a arte de viver a vida na perspectiva da Palavra de Deus. Não significa ter conhecimento intelectual. Há gente com muito conhecimento, mas vive cometendo tolices. A sabedoria é viver no centro da vontade de Deus, e tomar as decisões corretas. A sabedoria é encarnar Cristo em nosso viver diário. Cristo é a nossa Sabedoria (1Co 1.30).

Em Tg 3.13, lemos uma pergunta: “Quem entre vós é sábio e tem conhecimento?”. A reposta vem na sequência: “Mostre suas obras pelo seu bom procedimento, em humildade de sabedoria”. Observa-se que ser “sábio” significa ter um “bom procedimento”. O adjetivo “bom” ou “condigno” (ARA) (gr. kalos) significa “bonito de olhar, excelente em sua natureza e características”. O sábio é aquele que tem um comportamento admirável.

A sabedoria se expressa em nossos relacionamentos pessoais. Sábio é aquele que se relaciona bem com as pessoas. Não à toa, Tiago volta a falar sobre sabedoria imediatamente depois de falar sobre o poder da língua (Tg 3.1-12). Em Provérbios, uma das pilastras de uma vida sábia é o uso apropriado da língua. Aqui em Tiago 3.13-18, a sabedoria tem a ver com estancar o orgulho, a inveja e o espírito faccioso que promove intrigas.

Vejamos os dois tipos de sabedoria, apresentados por Tiago.

 

A sabedoria que não vem do alto: v.13-16

Sábio é aquele que submete todos seus projetos à orientação divina. Os projetos humanos sem a orientação divina sempre acabam em frustração. Veja a torre de Babel, em Gênesis 11. Quando não submetemos nossos desejos à vontade de Deus, pagamos um alto preço. Atos inconsequentes geram lágrimas, em nós e nos outros.

A sabedoria que não vem do alto alimenta a arrogância e a inveja amarga (v.14).

“Mas não vos orgulheis, nem mintais contra a verdade…” (v.14). Já ouvi pessoas dizendo: “Naquela situação, o meu velho homem veio à tona, e disse para aquele indivíduo umas poucas e boas!”. Alguns falam dos seus feitos pecaminosos com certo orgulho demoníaco. Estes podem achar que estão certos, mas estão mentindo “contra a verdade”.

“…se tendes inveja amarga e sentimento ambicioso no coração” (v.14). Observemos a expressão “inveja amarga”. Inveja é o termo grego zelos, seguido do adjetivo “amarga” (gr. pikros). A inveja deixa a pessoa amargurada.

Vejamos a explicação do Léxico Strong, sobre o termo zelos, “inveja”:

1) excitação de mente, ardor, fervor de espírito
1a) zelo, ardor em abraçar, perseguir, defender algo
1a1) zelo no interesse de, por uma pessoa ou coisa
1a2) fúria de indignação, zelo punitivo
1b) rivalidade invejosa e contensiosa, ciúme.

A inveja é o “zelo no interesse” por alguma coisa. É um zelo que produz “fúria de indignação”. O invejoso fica bravo pelas conquistas dos outros. Não consegue se alegrar com aqueles que se alegram.

Saul é o exemplo de alguém invejoso. Depois que Davi venceu Golias, as mulheres entoavam um cântico que deixou Saul furioso:

Enquanto dançavam, as mulheres cantavam: “Saul matou milhares, e Davi, dezenas de milhares”. 8 Saul ficou muito irritado, com esse refrão e, aborrecido disse: “Atribuíram a Davi dezenas de milhares, mas a mim apenas milhares. O que mais lhe falta senão o reino? ” 9 Daí em diante Saul olhava com inveja para Davi. (1Sm 18.7-9).

Observe a relação entre inveja e fúria (“Saul ficou muito irritado”, v.8; “Saul olhava com inveja para Davi”, v.9). Saul foi tomado pela raiva e tentou matar Davi (1Sm 18.10-11). Daí em adiante, ele foi destruindo o seu reino e destruindo-se a si mesmo. “A maior vítima da inveja é o invejoso. Ele se desestrutura emocionalmente e se incapacita diante de Deus”.[1]

Em Tg 3.1, Tiago já deu um alerta às pessoas que querem ser mestres. Elas querem cargos. Querem se aparecer. Querem os aplausos dos homens. Essa é toda recompensa que elas tem: o aplauso dos homens, e nada mais do que isto. A sabedoria que não vem do alto diz: “olhe para você, e diga que você é melhor do que os outros”. A sabedoria que não vem do alto pode ser vista na discussão dos discípulos: “quem é o maior entre nós?”.

O invejoso não é feliz. É infeliz porque os outros tem o que ele não tem. “Ele não apenas deseja ter como o outro, mas tem tristeza porque não tem o que é do outro. O invejoso é alguém que tem super preocupação com sua posição, dignidade e direitos”.[2]

V.14: “sentimento faccioso”, “sentimento ambicioso” (Almeida Século 21). É o termo grego eritheia. O Léxico Strong explica o sentido dessa palavra:

1) propaganda eleitoral ou intriga por um ofício

1a) aparentemente, no NT uma distinção requerida, um desejo de colocar-se acima, um espírito partidário e faccioso que não desdenha a astúcia

1b) partidarismo, sectarismo

Antes do NT, esta palavra é encontrada somente em Aristóteles, onde denota um perseguição egoísta do ofício político através de meios injustos. (A&G) Paulo exorta ser um em Cristo, não colocando-se acima ou sendo egoísta (Fp 2.3). Tg 3.14 fala contra ter amor-próprio ou se vangloriar. (Wayne Steury)

Essa sabedoria apresentada no v.14 é melhor explicada no v.15: “Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e demoníaca”.

 

A sabedoria que não vem do alto é “terrena”. Na perspectiva terrena, os valores do Reino é loucura. A cruz é loucura (1Co 1.20,21). Os pensamentos de Deus são mais altos do que os nossos pensamentos. Entendemos isso? Ou queremos dar conselhos para Deus? Queremos bancar o “todo poderoso”?

 

A sabedoria que não vem do alto é “animal”. A palavra “animal” traduz o grego psykikos, que significa “não espiritual”, ou “natural” (1Co 2.14; 15.44,46). Em Judas 19, o termo tem o sentido de “sensual”. Psykikosé a vida animal, o “instinto natural”. “O cristão não pode agir com base em seus sentidos, na base de ‘fazer o que estiver no coração’.”[3]

A sabedoria animal é aquela que é dirigida pelo espírito humano, e não pelo Espírito Santo. “Essa sabedoria escarnece das coisas espirituais. O mundo está cada vez mais secularizado. As coisas de Deus não importam. A Palavra de Deus não governa a vida familiar, econômica, profissional, sentimental das pessoas. Empurramos Deus para dentro dos templos”.[4] Nessa perspectiva, Deus é alguém para ser adorado, somente, mas não é Alguém diante de Quem se vive e para Quem se presta contas.

 

A sabedoria que não vem do alto é “demoníaca”. É a mesma sabedoria empregada pela serpente, em Gênesis 3. Lança dúvidas sobre a Palavra de Deus. Instiga o ser humano almejar a independência de Deus. Coloca o ser humano e seus desejos no centro do Universo.

 

A sabedoria que vem do alto: v.17-18

V.17: “Mas a sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura, depois pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sem hipocrisia”.

 

A sabedoria que vem do alto é“pura”. Livre de imoralidades e livre de motivações egoístas e pecaminosas. Deus pode usar pagãos e imorais para que seus propósitos se cumpram (exemplos: Ciro, Judas). Mas ele tem grande prazer em usar os santos e puros para que seu Reino seja expandido nessa terra.

A sabedoria que vem do alto é “pacífica”. Isso não significa encobrir o pecado. A paz não milita contra a santidade. Se tenho uma vida santa, e se sou puro de fato, Deus usará minha vida para transformar meu irmão.

Podemos e devemos sempre falar a verdade, mas de forma gentil e mansa. Ser gentil não significa ser fraco. Ser santo não significa ser truculento com as pessoas.

A sabedoria que vem do alto é “moderada” (gr. epieikes), ou “indulgente” (ARA), “amável” (NVI). Significa ser bondoso e pronto para se submeter, e não fazer exigências muito rigorosas. Essa sabedoria é diferente da postura de religiosos que fazem como os fariseus: querem impor um fardo pesado sobre as pessoas, fardo que eles mesmos não conseguem carregar.

A sabedoria que vem do alto é “tratável”. O termo utilizado aqui (gr. eupeithes) significa “facilmente persuadido”. O sábio está abertoa ser persuadido pela verdade. A pessoa que é dominada por essa sabedoria não é conduzida por suas ideias ou argumentos, mas é conduzida pela verdade da Palavra de Deus. Veja Nabal (1Sm 25.3,17), um homem intratável, incomunicável.

A sabedoria que vem do alto é “cheia de misericórdia e de bons frutos”. Misericórdia é o amor provado por ações (Tg 2.8-13). É o interesse pelas pessoas. A misericórdia produz “bons frutos”, assim como a fé verdadeira produz boas obras.

A sabedoria que vem do alto é “imparcial” (gr. adiakritos). Isso pode significar “imparcial” (veja BJ), “no sentido de não demonstrar preconceitos”[5], como por exemplo, o preconceito demonstrado na acepção de pessoas (Tg 2.1-4).

A sabedoria que vem do alto é “sem hipocrisia”. O termo usado aqui (gr. anupokritos) relaciona-se com “ator”, o hypokrités (hipócrita). Um estudioso explica: “Hypokrités é a pessoa que se de dedica a representar bondade de tal maneira que esta merece ser chamada de ‘bondade teatral’. É a pessoa que procura fazer com todos vejam a esmola que ela dá (Mt 6.16). É o indivíduo cuja bondade não busca agradar a Deus, mas aos homens”.[6]

Finalmente, o v.18 afirma: “O fruto da justiça semeia-se em paz para aqueles que promovem a paz.” Uma boa tradução é apresentada na King James Atualizada: “Ora, a justiça é a colheita produzida por aqueles que semeiam a paz”. Em Tiago, “justiça” é a conduta correta que agrada a Deus. Quando semeamos a paz, vamos colher o fruto da justiça. Ou seja, se somos pacificadores (Mt 5.9), colheremos um caráter aprovado diante de Deus. Também contribuiremos para que outro tenha um caráter que agrada a Deus, pois, se espalhamos a paz na vida do outro, estamos contribuindo para que o outro seja amável e pacífico, e assim venha ter em sua vida o caráter de Cristo.

 

Conclusão

Qual tipo de sabedoria você tem buscado? A sabedoria que não vem do alto ou aquela que vem do alto?

A sabedoria que não vem do alto é terrena, animal e demoníaca. Ela busca os seus próprios interesses, e coloca o “eu” no centro de tudo.

A sabedoria que vem do alto é aquela promovida pelo Espírito Santo, e nos torna santos e amáveis.

Que o Senhor nos ajude a buscar a sabedoria que vem do alto.

 

[1] COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Tiago, nosso contemporâneo, p. 102.

[2] LOPES, Hernandes Dias. Tiago, p. 75.

[3] COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Tiago, nosso contemporâneo, p. 100.

[4] LOPES, Hernandes Dias. Tiago, p. 74.

[5] MOO, Douglas J. Tiago, p. 133.

[6] Barclay, citado por COELHO FILHO, Isaltino Gomes. Tiago, nosso contemporâneo, p. 104.